UM PAÍS REFÉM DE UM EGO


1. Por muitos defeitos e insuficiências de que se revista a liderança da presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, tão desmobilizadora como toda a acção acrimoniosa e pesporrente das políticas e da pessoa pública de Sócrates, é possível ler na sua disponibilidade-dela para um debate público com o primeiro-ministro a virtude mínima de uma clarificação de que o País necessita. Discutir a crise económica e encontrar as melhores soluções para a superar requer a sinergia de esforços e um estilo de governação que seja sensível e use de bom senso, pondo de lado o cinismo e os interesses de facção em que Sócrates é pródigo ao defender o PS contra Deus e o Diabo e obviamente também contra Portugal, basta ler esta recusa de pau. Por alguma razão este é um PM que irreleva inteiramente os sábios e especialistas portugueses e todo se isola da sociedade plural nacional, de que a cedência tardia relativamente à OTA é excepção dada a fortíssima pressão da sociedade, a não ser quando convém e fica bem falar de pluralidade aliás cilindrada e desprezada por si. Há por ali um EU absoluto, cioso de si e da sua verdade, um Eu perigosamente tosco, que adora que o adorem, mas incapaz de prever seja o que for, conforme admitiu e no entanto está determinado nesse Alcácer-Qibr de investimento público obrigando a um endividamento com sufocantes taxas de juro. Tudo isto num momento apagadíssimo da líder social-democrata que surge apenas na vertente da economia e agora na sequência das previsões anunciadas ontem pelo Banco de Portugal, que antecipou uma recessão técnica na segunda metade de 2008 e de 0,8 por cento para este ano. Quanto à célebre entrevista do PM à SIC, nunca será de mais desmontar a geral Mistificação do Comunicador-Sócrates como critério avulso de algum benefício, se a comunicação redunda em erros, em desvios e em prestidigitações, para não dizer simulacros de verdade. Daí que também Ferreira Leite, em referência à entrevista de esta semana do primeiro-ministro à SIC, acuse muito justamente José Sócrates de se manter “cego aos sinais, surdo aos avisos e insensato na acção”, apesar dos problemas crescentes na sociedade portuguesa e dos erros e atrasos nas propostas ao ralanti do Governo, pelo que seria essencial discutir agora o estado da economia. Discutir, sugere-se. Mas não. Seguindo um princípio salazarento de indiscutibilidade paternalista, abafamos de unanimismo socratino, o que é tão saudável como uma peneumonia num corredor do Amadora-Sintra, corredores aliás mais bem calafetados do que as pobres casas dos idosos com gripe cujas casas enregelam mortífras. Pode Silva Lopes alvitrar o que quisere de economia de esquerda, de centro e de direita, cresce uma convicção de que há investimento errado no alforge do Governo e é natural que até porventura o BdP possa divergir do voluntarismo do Governo, pelo menos é assim que em relação à reacção às palavras do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, leio que a ainda dirigente do PSD lamente que o Governo não lhe dê ouvidos e insista nos farónicos "investimentos megalómanos” em vez de optar por medidas a curto prazo que aliviem desde já a crise nacional. O País é um Fax de última hora nas mãos providenciais e iluminadas de este novo menino Jesus PM absolutista de Portugal.

Comments

Anonymous said…
Uma questão de Estado
Vasco Pulido Valente, no Público hoje

O Governo nacionalizou o Banco Português de Negócios, depois de recusar um plano de "salvação" de Miguel Cadilhe, que previa um reforço de capitais - feito naturalmente pelo Estado com o dinheiro do contribuinte - de 600 milhões de euros. Como é público e notório, a história pouco exemplar do BPN vinha de longe. Mais do que isso: corriam rumores sobre irregularidades várias, que aparentemente não foram tomadas muito a sério, embora já em 2005 a Operação Furacão tivesse levantado suspeitas de grande gravidade.O Governo nacionalizou o Banco Português de Negócios, depois de recusar um plano de "salvação" de Miguel Cadilhe, que previa um reforço de capitais - feito naturalmente pelo Estado com o dinheiro do contribuinte - de 600 milhões de euros. Como é público e notório, a história pouco exemplar do BPN vinha de longe. Mais do que isso: corriam rumores sobre irregularidades várias, que aparentemente não foram tomadas muito a sério, embora já em 2005 a Operação Furacão tivesse levantado suspeitas de grande gravidade. O tempo correu. Em Março deste ano, segundo o Diário de Notícias, o Banco Central de Cabo Verde preveniu Vítor Constâncio que nem tudo era claro nas relações do Banco Insular, uma "filial" do BPN, e o próprio BPN. Em Julho, repetiu o aviso. E, finalmente, em Setembro, Vítor Constâncio entregou o caso ao Ministério Público.
Logo o Banco de Portugal, até ali passivo, anunciou "a descoberta" de "um vasto conjunto de operações de crédito clandestinas", de que só havia registo em dois computadores. Pior ainda, em Outubro, com certeza com conhecimento de causa, Cadilhe denunciou uma série de "crimes financeiros", presumivelmente cometidos por quem o precedera. O que não impediu a Caixa Geral de Depósitos de emprestar pela mesma altura ao BPN 200 milhões de euros, sem qualquer espécie de sobressalto. Dizem por aí que este "escândalo" é um "escândalo financeiro ímpar" em Portugal. Não é. É pura e simplesmente uma questão de regime. Porque um regime em que o BPN se criou e agiu em toda a liberdade não merece confiança alguma.

Primeiro, porque o Banco de Portugal, como se não lhe chegasse o fiasco do BCP, falhou completamente nas suas funções de fiscalização. E, segundo, porque entre a gente que, da fundação à "falência", ocupou altos cargos no BPN estavam figuras políticas da maior importância: José de Oliveira e Costa (secretário de Estado de Cavaco), Dias Loureiro (ministro de Cavaco), Daniel Sanches (ministro de Santana), Rui Machete, o inevitável Guilherme de Oliveira Martins e um genro de Aznar, ex-secretário do Partido Popular espanhol. Isto põe um problema essencial. Se a justiça portuguesa não desembaraça rapidamente a tremenda meada do BPN, se não apura rapidamente responsabilidades sem respeito ao estatuto e posição seja de quem for e se não julga e pune rapidamente os culpados, prova, proclama e fundamenta a corrupção do Estado. Existe uma diferença entre o que sucedeu no BPN e um assalto a uma ourivesaria.

8 de Novembro de 2008

Popular Posts