DA GLORIOSA TRETA PEDAGÓGICA


Notoriamente em pulgas acerca da data para a qual o PR convocará eleições legislativas, numa ansiedade prospectiva de estratégias e agendas diversas, as oposições com os seus comícios e manifestações e o Governo com as suas jornadas inaugurais repetidas, com a repetição até ao mais absoluto tédio da expressão socratinesca: «Pela primeira vez em Portugal...», que é, alías, a de um apresentador de Circo ao anunciar a anaconda careca ou a mulher-lagarto barbeada, PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE reagiram hoje ao comunicado emitido pelo Presidente da República, Cavaco Silva, dizendo que também concordam que a agenda da classe política deve estar centrada no combate à Crise que afecta o país e não no calendário eleitoral. Porém, nada mais quimericamente longe da verdade. A Crise é um não-assunto. Muito menos prioritário pela simples razão que o ciclópico governo tomou para si um caminho à prova da contestação e do rebate, que tendem a secar, e as oposições, para se notar que debatem alguma coisa sobre a Crise, não beneficiam nem de longe nem de perto de um tempo de antena que se compare ao do Governo. É a mesma lógica de certas 'democracias' africanas useiras e vezeiras nesses desníveis 'democráticos'. Por isso mesmo, enfrentar os problemas económicos e sociais não tem sido de todo a prioridade do partido do Poder e de um ou dois dos partidos da oposição centrados em si mesmos, internamente fracturados e desviados do País enquanto vão caminhando combalidos para testes eleitorais decisivos, pelo que em vão apelará a PR para que os partidos não falem de questões “extemporâneas” ou para que estas sejam discutidas nos locais apropriados. Aliás a nota da Presidência da República divulgada esta manhã defendendo que "a agenda da classe política deve estar centrada no combate à crise que afecta o País e a atenção dos Portugueses não deve ser desviada dos problemas que efectivamente os preocupam" só tem um destinatário óbvio, o Governo, que pelos vistos não está a fazer nem uma coisa nem outra, remetido a uma certa autogestão parasitária bem como ao terror de rejeição com que a Crise o devorará. Note-se que a frequência e a intensidade de reparos da PR na sequência da revolução discursiva em Cavaco aquando da Comunicação de Ano Novo cresce de tom: conceitos como «verdade» e «ilusão» foram ali manejados numa clara, embora subliminar, afronta aos processos esconsos, mal justificados e falhos de uma participada cidadania crítica e interventiva por que se tem regido este Executivo socratinesco, já olhado de fora do país, por entidades e instituições europeias, com a estranheza de quem não entende um conjunto de opções governamentais pelintras num país de tesos, a qual-estranheza estrangeira, como certas outras notícias que não interessam nada ao Governo, foi já convenientemente varrida para debaixo do tapete da subserviente hierarquização noticiosa de uma SIC no bolso do Governo ou naturalmente de uma RTP no bolso do Governo. Belém, de resto, num assomo de prudência e clarificação da clarificação, tenderá a desmultiplicar-se agora em justificações pedagógicas a propósito quer das notícias publicadas nos últimos dias sobre "intenções ou preferências" do respectivo inquilino Cavaco Silva relativamente às datas dos actos eleitorais que terão lugar durante este ano, quer sobre outras matérias de claro melindre e ansiedade. Matérias com as quais o partido do Governo lidará com a insegurança de que dão prova coisas fantásticas, a pouco e pouco mais evidentes e escandalosas, como é um conjunto de emissores prestigiados de opinião, e em lugares chave ou de charneira, por exemplo, VPV?, António Barreto?, Mário Crespo?, habitualmente com um módico de liberdade para denunciar e radiografar a realidade política nacional como ela é, e não como no-la vendem outros, mas de repente travestidos milagrosamente em favoráveis ao Governo e de repente manifestando uma perda de dois terços da sua célebre lucidez, sonsamente distraídos do rolo compressor mediático governamental que em 2009 transformará pedras em pães e cobras em peixes, multiplicando-os num estalar de dedos. Nem todos podem ser vertebrados como um Eduardo Cintra Torres.

Comments

antonio ganhão said…
Eu também estou preocupado, julgo que a decisão do presidente me fará soltar um bocejo...

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