RELICÁRIO DE MEMÓRIAS


Todas as manhãs, levantas-te da nossa cama,
preparas a filhinha e, na companhia da tua sogra, leva-la para o infantário.
E é quando ambas tomais o pequeno-almoço, bem sentadinhas,
lado a lado, no velho tasco de que ela gosta, rotina aldeã,
é aí que bem sei ir tomar forma a vossa conspiração sobre o que me dizer
de convincente e veemente por que me aconteça querer fazer
urgentemente alguma outra coisa, como outrora, quando trabalhava naturalmente.
Sair de este sepulcro vital, um quarto, a escrita!
Voltar a respirar e a ser gente e a contar lá fora!
lkj
Ela, minha mãe, faz-te relicário das suas memórias, todos os dias repetidas,
e redesenha nessa cumplicidade contigo todo um novo filão literário.
Tu cooperas, escutas, apoias, auxilias.
Depois, chegais. Irrompeis inspiradas pela casa,
com o espírito da cafeína e o açúcar amoroso no sangue acesos por me confrontar.
Disparais à queima-escreve sobre o meu corpo-letra defronte ao PC laborioso matutino,
digitante, bebé ao colo embalado, pousado, beijado, levantado, pousado, choroso, embalado.
E me emboscais no meu reduto, como quem cura de mim e ama curando:
«Quando é, joshua, que vais...? E quando é, joshua, que fazes...?»
E é então que eu, amarrado ao meu plano secreto de ser famoso e amado-caviar
como um grande blogger de esquerda-sardinha, mergulhado na direita-lagosta,
é então que eu com este plano secreto que são dois,
um deles impossível de revelar e menos ainda de compreender se revelado,
é então que eu, bem blindado na minha esperança
de outra coisa, o Céu, a Fuga, a Sorte, o Fim do Mundo, um Convite,
respondo sempre: «Depois. Amanhã. Mais tarde.»
lkj
Entretanto, chegou e partiu um dia e mais outro dia, mulher, e cresce-me dentro,
num requinte fabuloso de artista de circo, palavreando angústias, fraseando causas,
quixotescas talvez; e surde-me inteiro na verdade este Charlot sincero,
andrajoso e cómico, um que posa nu em blogue, um que a si mesmo
se renega e se impõe, implorando e rindo, itinerante,
às portas fechadas e indolores de todo o Mundo!

Comments

Anonymous said…
Partilho esse estar... esse canto-trilho e silencio...o mais caminho que há em nós! Não nos peçam definições somos a cor e a angústia... da palavra o gesto maior da alma e tudo o que sobra do olhar incrédulo dos outros sobre nós, são as próprias algemas que recusamos!Amamos profundamente devotadamente só que não há trabalho para os que amam...penando

ESCREVA JOSHUA! Torne-se Catedral da sua própria alma! Muitos darão por si!
Joshua, desculpe-me o atrevimento, mas deixo-lhe aqui o meu e-mail ncb@sapo.pt. Precisava de trocar umas palavras, se f.f. Infelizmente não tenho o seu contacto.
Tiago R Cardoso said…
tás a ver, também por aqui as pessoas pedem que tu escrevas.

Eu espero e desejo que tu escrevas, não sobre uma ministra que não conheces de lado nenhum, é apenas um testa de ferro de uma politica.

escreve jovem, como escrevestes aquilo que tenho aqui ao meu lado, um conjunto de escritos que merecem serem ligados, são do melhor que li, são do mais simples e complexo que me deram.

São dor, alegria e as tuas entranhas, sem complexos e principalmente sem Sócrates.

Um admirador.

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