ALEMANHA INOCENTA-SE DO QUE PUDER
«As críticas formuladas na
semana passada por altos
responsáveis alemães contra o tipo de austeridade
que está a ser imposto a
Portugal, Grécia e Irlanda
pelas instituições da troika provocaram um choque na equipa de Durão
Barroso, presidente da Comissão
Europeia, mas foram consideradas pertinentes nos países ajudados e mesmo nalguns sectores em
Bruxelas.
O negociador de um dos países
intervencionados pela troika confessou [...] um certo
“alívio” por constatar que “em Berlim há consciência do que se está a
passar” no terreno.
As críticas, expressas por altos
responsáveis alemães mediante anonimato [...] traduzem
acima de tudo um profundo cansaço
dos alemães por serem sistematicamente apontados como a causa da
recessão económica e do aumento
do desemprego, sobretudo juvenil,
para níveis astronómicos nos países
periféricos.
Berlim não mudou de discurso
nem de convicção de que a saída
da crise da dívida não se fará com
mais endividamento, mas por via
da disciplina orçamental associada a reformas estruturais destinadas a reforçar a competitividade
da Europa.
O ligeiro matiz introduzido nas últimas semanas no discurso alemão tem sobretudo a ver com a concessão de mais dois anos além do prazo previsto para a Espanha e França corrigirem o respectivo défice orçamental, na condição, no entanto, de não abrandarem as reformas económicas. Mas, apesar de manterem o discurso da rectidão orçamental, os responsáveis alemães fazem questão de se demarcar das receitas que estão a ser impostas a Portugal, Grécia e Irlanda pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), encarregada de negociar e acompanhar a execução dos seus programas de ajustamento. Berlim insurge-se particularmente contra a redução dos défices por via dos aumentos de impostos, uma receita considerada errada, por afectar particularmente os mais desfavorecidos e matar o crescimento económico. Um dos exemplos citados por um alto responsável alemão como totalmente contraproducente refere-se ao aumento do IVA imposto pela troika para o sector do turismo na Grécia, sem ter em conta a baixa fiscalidade praticada na Turquia vizinha e concorrente directa de Atenas enquanto destino de férias. Berlim acusa igualmente os dirigentes das instituições da troika de afirmarem publicamente que os programas de ajustamento não podem funcionar, mas continuarem a recusar admitir desvios na receita imposta e, sobretudo, de não assumirem a responsabilidade pelos erros cometidos. As críticas são particularmente duras contra a Comissão Europeia e o seu presidente. Parte dessas críticas feitas mediante anonimato foram, aliás, expressas publicamente no dia seguinte por Wolfgang Schäuble, quando, durante um debate na presença de Durão Barroso, avisou a Comissão de que tem de ser mais eficaz na gestão da saída da crise. Os Governos alemães nunca tiveram uma relação fácil com a Comissão, para onde sempre enviaram, aliás, comissários de segunda linha. Apesar disso, e apesar do “esclarecimento” pedido a Berlim por Barroso que levou o porta-voz da chanceler, Angela Merkel, a sublinhar o bom entendimento entre ambos, nunca as relações entre Berlim e Bruxelas pareceram tão tensas como hoje. “Os programas estão mal concebidos”, [...] um responsável europeu, sublinhando que os programas de Portugal e Grécia têm três erros em comum: não têm em conta o facto de os dois países não poderem desvalorizar a moeda por estarem numa união monetária, não integram a recessão económica no resto da zona euro que os impede de sair da crise pelas exportações e ignoram a quebra do investimento resultante da situação catastrófica de muitos bancos. Estes erros de concepção são reforçados pela rigidez da Comissão na interpretação das regras europeias, afirma o mesmo responsável europeu, secundando, nos mesmos termos, as críticas alemãs. Berlim tem vindo a defender que os países sob programa de ajuda deverão beneficiar de uma derrogação temporária às regras europeias, sobretudo em matéria de política de concorrência e de fundos estruturais (de apoio ao desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas) para poderem adoptar medidas de apoio ao crescimento económico. Segundo um alto responsável alemão, a Comissão e o seu presidente recusam. Portugal e Grécia têm, aliás, uma longa lista de exemplos desta rigidez. Segundo o responsável europeu já citado, os serviços da concorrência têm vindo a travar a privatização de algumas empresas que beneficiaram de ajudas de Estado, ameaçando-as com o risco de terem de devolver os montantes recebidos. Portugal está igualmente desde 2011 a tentar convencer a Comissão a aceitar “reprogramar” (transferir) 200 milhões de euros dos fundos agrícolas para o fundo de coesão (infraestruturas) destinados ao financiamento da rede secundária de rega da barragem de Alqueva. A medida permitiria ao país absorver parte da folga aberta no fundo de coesão pelo abandono do TGV e libertar simultaneamente os 200 milhões nos fundos agrícolas para incentivar o investimento agrícola, nomeadamente de jovens agricultores. A negociação dura há dois anos, por enquanto sem grandes resultados, em resultado da mesma insistência no cumprimento das “regras” que enfurece Berlim.» Isabel Arriaga e Cunha, Público, 21 de Maio, 2013
O ligeiro matiz introduzido nas últimas semanas no discurso alemão tem sobretudo a ver com a concessão de mais dois anos além do prazo previsto para a Espanha e França corrigirem o respectivo défice orçamental, na condição, no entanto, de não abrandarem as reformas económicas. Mas, apesar de manterem o discurso da rectidão orçamental, os responsáveis alemães fazem questão de se demarcar das receitas que estão a ser impostas a Portugal, Grécia e Irlanda pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), encarregada de negociar e acompanhar a execução dos seus programas de ajustamento. Berlim insurge-se particularmente contra a redução dos défices por via dos aumentos de impostos, uma receita considerada errada, por afectar particularmente os mais desfavorecidos e matar o crescimento económico. Um dos exemplos citados por um alto responsável alemão como totalmente contraproducente refere-se ao aumento do IVA imposto pela troika para o sector do turismo na Grécia, sem ter em conta a baixa fiscalidade praticada na Turquia vizinha e concorrente directa de Atenas enquanto destino de férias. Berlim acusa igualmente os dirigentes das instituições da troika de afirmarem publicamente que os programas de ajustamento não podem funcionar, mas continuarem a recusar admitir desvios na receita imposta e, sobretudo, de não assumirem a responsabilidade pelos erros cometidos. As críticas são particularmente duras contra a Comissão Europeia e o seu presidente. Parte dessas críticas feitas mediante anonimato foram, aliás, expressas publicamente no dia seguinte por Wolfgang Schäuble, quando, durante um debate na presença de Durão Barroso, avisou a Comissão de que tem de ser mais eficaz na gestão da saída da crise. Os Governos alemães nunca tiveram uma relação fácil com a Comissão, para onde sempre enviaram, aliás, comissários de segunda linha. Apesar disso, e apesar do “esclarecimento” pedido a Berlim por Barroso que levou o porta-voz da chanceler, Angela Merkel, a sublinhar o bom entendimento entre ambos, nunca as relações entre Berlim e Bruxelas pareceram tão tensas como hoje. “Os programas estão mal concebidos”, [...] um responsável europeu, sublinhando que os programas de Portugal e Grécia têm três erros em comum: não têm em conta o facto de os dois países não poderem desvalorizar a moeda por estarem numa união monetária, não integram a recessão económica no resto da zona euro que os impede de sair da crise pelas exportações e ignoram a quebra do investimento resultante da situação catastrófica de muitos bancos. Estes erros de concepção são reforçados pela rigidez da Comissão na interpretação das regras europeias, afirma o mesmo responsável europeu, secundando, nos mesmos termos, as críticas alemãs. Berlim tem vindo a defender que os países sob programa de ajuda deverão beneficiar de uma derrogação temporária às regras europeias, sobretudo em matéria de política de concorrência e de fundos estruturais (de apoio ao desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas) para poderem adoptar medidas de apoio ao crescimento económico. Segundo um alto responsável alemão, a Comissão e o seu presidente recusam. Portugal e Grécia têm, aliás, uma longa lista de exemplos desta rigidez. Segundo o responsável europeu já citado, os serviços da concorrência têm vindo a travar a privatização de algumas empresas que beneficiaram de ajudas de Estado, ameaçando-as com o risco de terem de devolver os montantes recebidos. Portugal está igualmente desde 2011 a tentar convencer a Comissão a aceitar “reprogramar” (transferir) 200 milhões de euros dos fundos agrícolas para o fundo de coesão (infraestruturas) destinados ao financiamento da rede secundária de rega da barragem de Alqueva. A medida permitiria ao país absorver parte da folga aberta no fundo de coesão pelo abandono do TGV e libertar simultaneamente os 200 milhões nos fundos agrícolas para incentivar o investimento agrícola, nomeadamente de jovens agricultores. A negociação dura há dois anos, por enquanto sem grandes resultados, em resultado da mesma insistência no cumprimento das “regras” que enfurece Berlim.» Isabel Arriaga e Cunha, Público, 21 de Maio, 2013
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