CÂNCIO E A DEFESA DO JACUZZI

Vejam lá o desesperozinho dos avençados do socratismo bem-pagante, como Câncio: assimilar o judeu francês Dreyfus, num caso de há 111 anos, ao lodo agora sob crivo e escrutínio envolvendo o Primadonna Sócrates, que descansa e suspira agarradinho ao telemóvel conspirativo em Paris. Recorda Câncio o «apelo indignado em nome de um inocente injustamente condenado, libelo contra um sistema judicial corrupto e uma opinião pública contaminada pela manipulação da verdade e pelos seus preconceitos (o condenado era judeu) através de uma campanha mediática "abominável".» Pois, pois. Sempre tive simpatia por esse caso ainda para mais de um judeu como metade de mim. Mas o caso [feito de intermináveis casos] Primadonna Parisiense Sócrates não é, nem de perto nem de longe, a reedição de qualquer coisa de semelhante à destruição consubstanciada na questão dreyfusiana. Bem pelo contrário. Enquanto efectivamente o homem Dreyfus foi desonrado, julgado e condenado a prisão perpétua com base em provas falsas, Sócrates fez trinta por uma linha, antes e depois de se ter tornado primeiro-ministro e procurou, não sem assistência, escapar incólume dos seus actos e decisões imponderáveis sem nos dizer água vai. Antes, como ministro do Ambiente aprovou o Freeport à rasquinha, na pressinha de uma legislatura pantanosa que havia cessado, seguia gestionária, e logo aí já foi abuso, fonte de suspeitas óbvias em torno do óbvio. Depois, já PM, praticou violência classista e mistificação mediática, acossando professores e magistrados com particular denodo e malícia, certamente com propósitos dissuasores que tiveram, no meu caso, o condão de acordar uma energia cívica que nada poderá silenciar. Depois, já PM, são abundantes os casos perdulários com recursos públicos, o luxo na Parque Chular que insulta, desperdício, nas PPP contratos escancaradamente ruinosos para o Estado Português, o que se fez segundo lógica de comissionismo crasso. Parece nítido que o Playboy TardoSorbonneano sente-se acossadíssimo. Daí saltarem escreventes os do costume. Câncio, contorcionista como sempre, não faz a coisa por menos. Convoca o magistral «J'accuse» de Émile Zola como a glória da defesa desinteressada de um inocente. Mas o Zola de há 111 anos tem como contraponto o acesso superpoderoso do Playboy Parisiense do século XXI não só a muitas línguas de pau como aos mais caros advogados de Lisboa, garantes do jacuzzi doce e abastado de um exílio francês incólume, ele que não se licenciou nem convencional nem administrativamente, ele que também não consta tenha trabalhado porque toda a vida se esgueirou como político, habituado à pequena conspiração oportunística de secção partidária e a nada mais. Impossível desrespeitar ou difamar um ex-primeiro-ministro que se preste a todos os esclarecimentos, não avolume negruras, não detenha riquezas sem explicação nem lógica, nem acalente estranhas opacidades, vivendo uma vida de luxo escandalosamente incompatível com o respectivo currículo e sobretudo com os efeitos e danos recentes a um Povo muito concreto. Zola era genial. Apaixonado. Soube virar França a favor do inocente condenado Dreyfus, mas não há força argumentativa, energia moral, sentido ético que não passe por impostor, treta sob completo fingimento, para reabilitar José Sócrates: enquanto este teve mão nos media dóceis, o lado negro do poder do sistema judicial consistiu na sua africana susceptibilidade ao condicionamento. Começando pela PGR, reduzida à servidão, ao estatuto de óbice e tampão protector do normal desenrolar de um processo de averiguações, ela que deveria ser absolutamente irredutível à vontade caprichosa de um só homem acossado pelo próprio passado repleto de insanidade e avidez. Pode ser que, para mal de quem se barricou na Mentira, o triunfo em decurso da Verdade prove ainda haver uma Justiça em Portugal acima do telemóvel laborioso, das pressões obsessivas e das versões artificiais combinadas pelo gabinete de Ficção e Imagem de um Megalómano. Se assim não for, não há Estado de Direito que resista e muito menos democracia, coisa há muito na mão de gente duplipensante, jacobina e facciosa. Não, não temos gente da estirpe de Zola, Câncio. O que temos são especialistas em língua de pau e choradinhos impostores, aterrorizados com os factos e a verdade que hoje se apuram e comprometem largamente um homem especialista em charla. Esses, tal como o culpado escondido que defendem, estão muitíssimo mais perto da defesa do jacuzzi que da glória retórica e ética do «J'accuse».

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