TU QUOQUE, VASCO, MEU FILHO?
Nem sequer Vasco Pulido Valente parece perceber que, com Sócrates e os seus, não estamos a falar de trocos nem de venalidades recorrentes e coisas habituais na política de sempre. Se assim fosse, «em teoria», poderíamos dormir descansados. Mas não. Ali nunca se olhava para as pequenas massas e as insignificantes bagatelas. Foi cavar dívida como se farta a vilanagem sem amanhã. Custa a engolir que até o Vasco põe a mão por baixo ao grosseiro comissionismo inveterado daquela governação danosa. Se até esse profético intérprete da decadência portuguesa não vê propósito no entregar aos Tribunais o que transcendeu largamente os foros estritos da Política, então não há esperança para a respectiva limpeza exemplar. Se se não percebe a diferença entre pecadilhos, tropeções involuntários por aliciamento alheio, que é uma coisa, de associação criminosa e reincidência de processos corruptos com impacto crasso sobre a vida de milhões, que é outra, para que serve colocar o dedo na ferida, escrevendo crónicas, e gritar que o rei vai nu? Se se não perdoam roubos a bancos porque se hão-de perdoar assaltos continuados a Estados e a milhões de contribuintes?! Não. Definitivamente não estava à espera de este tipo de indulgência na verve habitualmente viperina do Vasco. Devo ser mesmo muito ingénuo: «Já não bastava o “caso
Freeport” e o “caso Face
Oculta”, a investigação
judicial do Governo
Sócrates continua. E
pior: aumenta. Não
espanta que o cidadão comum
tenha sido contra o Governo de
Sócrates — que não se distinguiu
pela sensatez, pela tolerância
ou pela lisura; e que levou o
país para a crise mais séria por
que os portugueses passaram
desde 1975. Como não espanta
que as dores do presente (que
são muitas para muita gente)
não deixem de alimentar uma
Vasco Pulido Valente
execração profunda pelo antigo
primeiro-ministro e pela sua
gente. Mas nada explica que a
Procuradoria-Geral da República
e os tribunais tomem sobre si
o encargo de fazer justiça em
matéria política: um serviço que
obviamente lhes não compete
e que, levado ao extremo, pode
alterar o equilíbrio constitucional
da República.
Em poucos dias soubemos pelos
jornais que a Procuradoria-Geral
da República se prepara para abrir
um inquérito-crime a 14 ministros
de Sócrates por peculato e abuso
de confi ança, “em seguimento” a
uma queixa da Associação Sindical
de Juízes. Soubemos também
ontem, ou anteontem, que a
sra. dra. Cândida de Almeida
declarou na TVI que foi entregue
(presumivelmente no DCIAP) uma
segunda queixa contra o próprio
Sócrates, por favorecimento
pessoal e falsifi cação de
documentos, ainda por causa
da famigerada licenciatura do
homem. E, para acabar (pelo
menos, por enquanto) uma
terceira — esta anónima — contra
o ex-ministro Manuel Pinho,
por suspeita de conceder à
EDP “rendas” sem justifi cação
económica ou benefício para o
Estado. Estamos no princípio e é
um péssimo princípio.
No caso dos 14 ministros, os
factos que se alegam parecem
ao leigo de pouca ou nenhuma
gravidade: uso indevido de
cartões de crédito, de telefones
de uso pessoal, de despesas de
representação e de subsídios de
residência. Uma insignifi cância
no mar de dívidas que Sócrates
nos legou. O mesmo vale para
a existência ou inexistência da
licenciatura de um indivíduo
morto para a vida pública
portuguesa. No meio de uma
ou duas coisas hipoteticamente
graves, o que fica é um
inconcebível ressentimento e
uma inconfundível vontade de
retribuição. Ora, se o país por
acaso alimenta esses duvidosos
sentimentos, a Assembleia da
República (que o representa) deve
falar por ele e o braço judicial,
em teoria, não se deve mexer.
Sobretudo quando se arrisca a
arruinar, sem um bom motivo,
uma vida limpa ou só com alguns
pecados veniais, cometidos por
ignorância ou inadvertência. A
política não se “limpa” assim.» Vasco Pulido Valente
Comments
pode ir para o jardim jogar com o filho do tareco