MARINHO, O TOM E A DEMAGOGIA
«O
bastonário dos advogados,
Marinho Pinto, costuma
desferir ruidosos ataques
contra aquilo a que
chama “mercantilização
da Justiça”. Pelo meio
confunde sempre várias coisas,
por exemplo, que já vai sendo
tempo de a Justiça ser pensada
como realidade económica.
Sabendo-se que a Justiça
portuguesa tem problemas com
a efi ciência, que não se deve
necessariamente, é bom dizer,
à improdutividade dos agentes
do sistema, mas a causas mais
profundas, as queixas de Marinho
Pinto deixam sempre a impressão
de vir de um tempo pré-troika.
Nesse tempo pré-troika
podíamos fazer discursos
rompantes na abertura do ano
judicial, repetindo que a Justiça é
um bem público e que o direito à
justiça está a ser saqueado. Mas o
tom e a demagogia não chegam.
Há muito em que a organização
da Justiça ganharia, se passasse
por terapia económica. A Justiça
é demasiado importante para ser
deixada aos juristas.
Mas Marinho Pinto está certo,
quando aponta o dedo para certas
manifestações de privatização
Pedro Lomba
da Justiça. Ele parece meter tudo
no mesmo saco: uma mediação
de conflitos de consumo é igual
a uma arbitragem em contratos
públicos. O que não se pode dizer
que ajude à clareza. Onde ele tem
razão, no entanto, é por denunciar
dois fenómenos que corroem em
absoluto o Estado de direito e a
igualdade perante a Justiça.
O primeiro desses fenómenos
é a privatização do Estado.
Em minha opinião, só muito
excepcionalmente é que o Estado
deveria poder encomendar a
preparação de leis a escritórios
de advogados. Pior ainda se
essas leis estiverem pejadas de
consequências financeiras para
o erário público. Para dar um
exemplo, nunca a lei das parcerias
público-privadas deveria ter
passado à nascença por aqueles
que depois iriam socorrer-se dela
em representação dos privados.
Há uma errada divisão do trabalho
entre o Estado e os advogados na
gestação de certas leis. [...] Se não me engano, grande
parte dos contratos de concessão
do Estado tem cláusulas de
arbitragem que garantem decisões
secretas. Escapa-me, mas não é
tema para aqui, como é que estas
decisões arbitrais respeitam a
Constituição. E sobre este tema
das arbitragens dos contratos
públicos, em que há muito
dinheiro em jogo, muito mais
haveria a dizer.
Como a Justiça normal não
funciona, os “ricos” partem para
outra. Com o tempo, os tribunais
do Estado passam a ser para o zé
povinho. Os ricos têm a sua Justiça
privada e sigilosa. Ora, não será
isto uma grande injustiça?» Pedro Lomba, Público
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