CAVACO E A BOA HIGIENE
«O dr. Cavaco, depois
de 2008, quando as
coisas se começaram
a complicar, não abriu
a boca para prevenir o
país do que se passava
e meter algum juízo na cabeça
de Sócrates. Prudentemente foi
deixando uma frase por aqui e
por ali, para depois se não dizer
que ele fugira conscientemente à
suas responsabilidades. Houve a
“situação explosiva” e a “situação
insustentável” (já não me lembro
por que ordem) e não houve mais nada. O dr. Cavaco preferiu
não ir à televisão explicar com
solenidade e tempo que Portugal
estava sem a menor dúvida a
caminho de um desastre maior,
como de resto toda a gente o
avisava; nem sobretudo demitiu
o eng. Sócrates. Para ele, até à
reeleição para o segundo mandato
só contava o voto moderado que
pudesse eventualmente extorquir
ao centro-esquerda.
Admitir que tivesse motivos
mais nobres não passa de um
engano sobre a pessoa. Mas, logo
que se viu em Belém, as coisas
mudaram. O chamado “discurso
de vitória” era um desabafo de
ressentimento e um aviso de
vingança. E a vingança veio no
discurso de posse, que na prática
obrigava à demissão qualquer
governo com um vestígio de
dignidade. Sócrates cometeu o
inominável erro de resistir. Em
quinze dias, o PEC IV, que ele não
mostrara ao Presidente, bastou
para o remover de cena, com a
razão, na aparência, da parte de
Cavaco. O público informado, que
preza o respeitinho, esqueceu
rapidamente a guerra em curso
entre Belém e S. Bento. Só viu o
desespero de um homem que não
merecia sobreviver. E, finalmente
livre, Cavaco preparou a sua
próxima aventura.
Anteontem, de surpresa,
voltou a Sócrates. Porquê?
Primeiro, para dividir o PS entre
“socráticos” e “não-socráticos” e,
com sorte, aumentar a barafunda
que por lá anda e que dia a dia se
agrava. Um PS fraco será sempre
atraído pelo Presidente (para
compensar a força que lhe falta
na Assembleia) e nada impede
o Presidente de o usar contra a
maioria ou mesmo, como parece,
de o impor a um governo de
“Salvação Nacional”, que ele
parece desejar. E a maioria, quer
goste quer não goste, ficará daqui
em diante sujeita à chantagem da
“política de unidade”, se a crise
piorar ou se diminuir, como é
provável, a sua coesão interna. Os
próximos tempos não prometem
e com um partido na mão (e
talvez duas ou três facções do
CDS ou do PSD), o Presidente
emergirá como o “salvador” de
Portugal. Mas por boa higiene
tinha antes de liquidar Sócrates.
Agora, pelo menos, tentou.» Vasco Pulido Valente, Público
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mesmo que pusesse ovos nunca seria galinha